terça-feira, 24 de abril de 2012


Narciso, Freud, Nietzsche, Adão e a Imagem.
 
MARCOS NICOLINI
 
Na Grécia antiga, 700 antes de Cristo, a moral era repassada e aculturada, a partir de contos mitológicos sobre seus deuses, que viviam no Monte Olimpo, e seres meio humanos meio divinos, retratando valores sociais e culturais daquele povo.
Um destes contos é sobre Narciso, um jovem belíssimo que jamais havia visto a sua própria face. Certo dia estando ele num bosque, após um dia inteiro de caça, cansado, sedento e com calor, viu uma fonte de águas claras, em meio à relva e abrigada do sol por estar próximo às rochas, e logo se aproximou, a fim de banhar-se em suas águas. Ao se debruçar para beber, logo viu uma bela criatura que o contemplava de dentro da fonte. Toda vez que Narciso sorria para tal criatura, ela também lhe sorria; ao acenar para ela, prontamente também lhe acenava. Mas, quando ele tentava abraçá-la, ela desaparecia. Narciso desejava que a criatura saísse da água e viesse a seu encontro, mas como ela se recusava a sair, Narciso mergulhou no lago, indo até às profundezas à procura de tão bela criatura que fugia dele, morrendo afogado nesta tentativa. Narciso morreu de amor por sua própria imagem.
Hoje chamamos de narcisista aqueles que cultuam sua própria pessoa, que sobre-valorizam a sua própria imagem e se acham absolutamente belos, quer esteticamente, quer moralmente.
Sigmund Freud, o pai da psicanálise, certa vez disse que toda ciência não passa de um mito. O mesmo Freud propôs em sua teoria da psicanálise que os seres humanos são regidos por dois instintos básicos: os instintos de vida, que servem ao propósito da sobrevivência e da propagação racial, onde, a fome, a sede e o sexo se enquadram; e os instintos de morte, ou destrutivos, e ele supunha especificamente que a pessoa tinha um desejo inconsciente de morrer, o que o levou a formular seu famoso ditado: “a meta de toda vida é a morte”.
Nenhum pensamento contemporâneo reflete mais o instinto e morte do que o niilismo (embora este tipo de mentalidade tenha sido aprimorado no Século XIX). O niilismo tem como mote o viver para o nada e negar a vida, designando uma espécie de homem que nega os valores, é ateu e ressentido. Em Nietzsche, o filósofo alemão, o niilismo ganha um contorno mais amplo, negando os valores metafísicos e ontológicos, assim como declarando, pela voz de um bêbado, que o Deus cristão está morto! Morrendo Deus o homem deve bastar-se em si mesmo, vivendo um tempo de desespero até que se levante um sobre-homem (übermench), um ser sobre-humano que tenha força de caráter baseado em sua própria imagem idealizada. O niilismo, portanto, tal como Nietzsche o concebe, não consiste apenas na desvalorização dos valores supremos aceitos, pois a ruína desses valores torna urgente a criação de novos valores que os substituam. O niilismo seria a característica desse estágio intermediário, entre o crepúsculo dos deuses antigos e o anúncio do mundo novo, feito à imagem e semelhança do homem.
O homem feito à imagem e semelhança do homem, assassinando seu Criador.
Mitos à parte, houve um homem, na história da humanidade, que determinou o instinto de morte em todos os demais que depois dele vieram, que olhou para o espelho de sua própria alma e amou-se a tal ponto que disse em seu coração: “Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono; e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do norte; subirei acima das alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo”. Em outras palavras: “para que Deus, pois posso eu mesmo conhecer o bem e o mal e neste meu discernimento sou supra-suficiente para estabelecer os fundamentos de minha existência, independente do Criador?”
Adão, o homem que amou-se mais do que a amou a Deus e com isto morreu em seu devaneio de conhecer-se a si mesmo, sem Deus. O homem que olhou para seu próprio potencial e capacidades e nesta intenção de auto-suficiência, produziu a morte freudiana e niilista. O Narciso (Adão) que se amou, e nesta paixão tresloucada por si, na busca de si mesmo, no aprofundamento de sua busca infernal, sucumbe enlouquecido e desesperançado. A morte do ser e da busca do ser conhecido no Supremo.
Adão olha para o espelho e se vê, e em vendo esta tão bela imagem de si mesmo, concebe a idéia de que pela dialética do bem e do mal, poderá ir até as profundezas de si mesmo e lá encontrar sua real imagem, e por ela obter sua própria superação: o ser sobre-humano. Pelas suas teses e antíteses obter conhecimento e verdade sobre o Ser e o não ser, o ontológico e o perceptível, o espírito e a carne.
Narciso, que é Adão, em sua viagem vê esvair suas forças e encontra a morte, não de Deus, mas de si mesmo; nem sempre a morte física da fome, da miséria, da violência, da guerra, da tortura, mas a morte da solidão, da angústia, da desesperança, do stress, da exclusão, da loucura, da ignorância, do individualismo, da moral irracional, da culpa, do fracasso, da desilusão, da religião vazia, da forma sem conteúdo, do desamor, da falta de perdão...Seu amor egocêntrico não o permitiu olhar para o espelho do seu espírito e ver lá a presença da vida, que geme no desejo de absorver o mortal.
O Narciso, que é o Adão, olha para o espelho de sua alma e contempla sua própria natureza, contemplando um abismo vazio e sem imagem (Tiago 1: 23 e 24), mas o que olha para o espelho do espírito, e pela fé contempla seu Senhor, este vê refletido a imagem (II Coríntios 3: 18) daquele por cuja Palavra tudo foi feito e pela qual todas as coisas são sustentadas. Este homem vê-se, não super-homem, mas na estatura de ser perfeito (Efésios 4: 13), pois o que vê, em vez de sua imagem, vê a imagem do Filho de Deus, a essência do Ser, criador.

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